domingo, 10 de julho de 2011

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 "Tem gente que machuca os outros, tem que gente que não sabe amar"
Essa frase me veio na mente depois que uma moça me tratou mal numa página minha de relacionamento. Me senti mal, é claro, porque fui tratada como se eu fosse uma dessas pessoas que da em cima de rapazes comprometidos. E então postei a frase no twitter pensando nesse assunto. E então pra minha surpresa um ex professor (Adão Albuquerque, a quem devo meus agradecimentos por está bem melhor agora), me pediu o meu e-mail e me mandou este lindo texto de Martha Medeiros. E então fica a linda mensagem pra vocês leitores queridos.

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Veteranos de Guerra

Outro dia li o comentário de alguém que dizia que o casamento é uma  armadilha: fácil de entrar e difícil de sair. Como na guerra.

Aí fiquei lembrando dos desfiles de veteranos de guerra que a gente vê em filmes americanos, homens uniformizados em suas cadeiras-de-roda apresentando suas medalhas e também suas amputações.

Se o amor e a guerra se assemelham, poderíamos imaginar também um desfile de mulheres sobreviventes desse embate no qual todo mundo quer entrar e poucos conseguem sair  ilesos. Não se perde uma perna ou braço, mas muitos perdem o juízo e alguns até a fé.

Depois de uma certa idade, somos todos veteranos de alguma relação  amorosa que deixou cicatrizes. Todos.

Há inclusive os que trazem marcas imperceptíveis a olho nu, pois não são sobreviventes do que lhes aconteceu, e sim do que não lhes aconteceu: sobreviveram à irrealização de seus sonhos, que é algo que machuca muito mais.

São os veteranos da solidão.

Há aqueles que viveram um amor da juventude que terminou cedo demais, seja por pressa, inexperiência. Casam-se, depois, com outra pessoa, constituem família e são felizes, mas dói uma ausência do passado, aquela batalha perdida.

Há os que amaram uma vez em silêncio, sem se declarar, e trazem dentro do peito essa granada que não foi detonada.

Há os que se declararam e foram rejeitados, e a granada
 
estraçalhou tudo por dentro, mesmo que ninguém tenha notado.

E há os que viveram amores ardentes, explosivos, computando vitórias e derrotas diárias: saem com talhos na alma, porém mais fortes do que antes.

Há os que preferem não se arriscar: mantêm-se na mesma trincheira sem se mover, escondidos da guerra, mas ela os alcança, sorrrateira, e lhes apresenta um espelho para que vejam suas rugas e seu olhar opaco, as marcas precoces que surgem nos que, por medo de se ferir, optaram por não viver.

Há os que têm a sorte de um amor tranqüilo: foram convocados para  serem os enfermeiros do acampamento, os motoristas da tropa, estão ali para servir e não para brigar na linha de frente, e sobrevivem sem nem uma unha quebrada, mas desfilam mesmo assim, vitoriosos, porque foram imprescindíveis ao limpar o sangue dos outros.

Há os que sofrem quando a guerra acaba, pois ao menos tinham um ideal, e agora não sabem o que fazer com um futuro de paz.

Há os que se apaixonam por seus inimigos. A esses o céu e o inferno estão prometidos.

E há os que não resistem até o final da história: morrem durante a
luta e viram memória.

Todos são convocados quando jovens.

Mas é no desfile final que se saberá quem conquistou medalhas por bravura e conseguiu, em meio ao caos, às neuras e às mutilações, manter o coração ainda batendo.

 

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