Essa frase me veio na mente depois que uma moça me tratou mal numa página minha de relacionamento. Me senti mal, é claro, porque fui tratada como se eu fosse uma dessas pessoas que da em cima de rapazes comprometidos. E então postei a frase no twitter pensando nesse assunto. E então pra minha surpresa um ex professor (Adão Albuquerque, a quem devo meus agradecimentos por está bem melhor agora), me pediu o meu e-mail e me mandou este lindo texto de Martha Medeiros. E então fica a linda mensagem pra vocês leitores queridos.
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Veteranos de Guerra
Outro dia li o comentário de alguém que dizia que o casamento é uma armadilha: fácil de entrar e difícil de sair. Como na guerra.
Aí fiquei lembrando dos desfiles de veteranos de guerra que a gente vê em filmes americanos, homens uniformizados em suas cadeiras-de-roda apresentando suas medalhas e também suas amputações.
Se o amor e a guerra se assemelham, poderíamos imaginar também um desfile de mulheres sobreviventes desse embate no qual todo mundo quer entrar e poucos conseguem sair ilesos. Não se perde uma perna ou braço, mas muitos perdem o juízo e alguns até a fé.
Depois de uma certa idade, somos todos veteranos de alguma relação amorosa que deixou cicatrizes. Todos.
Há inclusive os que trazem marcas imperceptíveis a olho nu, pois não são sobreviventes do que lhes aconteceu, e sim do que não lhes aconteceu: sobreviveram à irrealização de seus sonhos, que é algo que machuca muito mais.
São os veteranos da solidão.
Há aqueles que viveram um amor da juventude que terminou cedo demais, seja por pressa, inexperiência. Casam-se, depois, com outra pessoa, constituem família e são felizes, mas dói uma ausência do passado, aquela batalha perdida.
Há os que amaram uma vez em silêncio, sem se declarar, e trazem dentro do peito essa granada que não foi detonada.
Há os que se declararam e foram rejeitados, e a granadaestraçalhou tudo por dentro, mesmo que ninguém tenha notado.
E há os que viveram amores ardentes, explosivos, computando vitórias e derrotas diárias: saem com talhos na alma, porém mais fortes do que antes.
Há os que preferem não se arriscar: mantêm-se na mesma trincheira sem se mover, escondidos da guerra, mas ela os alcança, sorrrateira, e lhes apresenta um espelho para que vejam suas rugas e seu olhar opaco, as marcas precoces que surgem nos que, por medo de se ferir, optaram por não viver.
Há os que têm a sorte de um amor tranqüilo: foram convocados para serem os enfermeiros do acampamento, os motoristas da tropa, estão ali para servir e não para brigar na linha de frente, e sobrevivem sem nem uma unha quebrada, mas desfilam mesmo assim, vitoriosos, porque foram imprescindíveis ao limpar o sangue dos outros.
Há os que sofrem quando a guerra acaba, pois ao menos tinham um ideal, e agora não sabem o que fazer com um futuro de paz.
Há os que se apaixonam por seus inimigos. A esses o céu e o inferno estão prometidos.
E há os que não resistem até o final da história: morrem durante a
luta e viram memória.
Todos são convocados quando jovens.
Mas é no desfile final que se saberá quem conquistou medalhas por bravura e conseguiu, em meio ao caos, às neuras e às mutilações, manter o coração ainda batendo.
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